Tuesday, October 09, 2007

Um homem cego

Um homem cego, encontra uma jovem num passeio. A música de fundo é instrumental- saxofone.

J- Boa tarde... posso ajudá-lo?

C- sim, estou meio desorientado. É muito raro isto acontecer.

J- Pois, estáva aqui sentada a espera dum amigo e reparei que o senhor parece estar perdido.

C- Sabe... é a primeira pessoa desde há muito tempo que me oferece ajuda! (pausa e suspiro) Estou cansado.

J- Venha, sente-se aqui.
(encaminhando o homem para o banco no passeio, a jovem senta-se ao seu lado)

C- Posso lhe pedir um favor?

J- Claro...

(o homem devagar leva as suas mãos até a cara da jovem, apalpando levemente suas feições)

C- Não hesitou... normalmente quando faço isto as pessoas se afastam.

J- Não tenho problema nenhum... Queria fazer uma pergunta, o senhor quando “contorna” os traços da cara das pessoas, consegue ver e sentir a beleza delas?

C- Claro que sim. É muito bonita. E a sua voz também transmite uma grande alegria e a vontade com as pessoas.

(silêncio)

C- Descreva-me o que está agora à nossa volta, assim quem sabe eu me localizo.

J- Estamos mesmo em frente a uma tabacaria com uma senhora idosa e gorda na bancada... ao lado há uma Marisqueira com mesas ao ar livre, cheia de turistas que apreciam um músico que enquanto toca saxofone, espera uns trocos. Atrás do nosso banco dois gémeos pequenos compram balões numa bancada colorida de brinquedos... Já está a anoitecer e pequenos canteiros de plantas e flores atravessam o passeio e são iluminados pelos postes...

C- Continue!

J- Estamos no centro da cidade. Perto da estação de metro. As pessoas andam depressa. Nem se tocam. Uns mais nervosos que outros, outros mais exaustos, uns mais sorridentes, um ou outro casal apaixonado. Deste banco consegue-se ver dois apartamentos... Nas varandas encontra-se roupa estendida... uma criança que brinca com o cão... Um velho que dorme na cadeira sobre o jornal...

(o homem fica mais e mais emocionado, e interrompe lentamente)

C- Cada janela uma vida! Nestes minutos, eu consegui ver tudo...
Esse rapaz enganou-se muito acerca de si. Eu antes de ser cego, raramente ligava a essas coisas pequenas da vida... Eu daria tudo para voltar a ver. Mas talvez nem chegasse a perceber como é importante valorizarmos todas estas coisas bonitas que nos rodeiam agora neste momento. Começando por si! Muito obrigado! Este escuta-la agora, foi como voltar novamentar a ver.

J- (após um longo suspiro) Chegou o meu amigo... O senhor já sabe onde está?

C- Sei sim...muito bem mesmo! muito obrigada!

( a jovem pegou nas mãos dos homem, e levou-as até ao seu sorriso. O homem sorrir de volta)

(meio da noite, o cego chega à sua residência, e começa uma conversa com o seu companheiro de quarto, um velho)

C- Hoje conheci uma bela jovem... uma jovem que sabe escutar a vida.

V- Aonde?

C- Num passeio, na zona do centro. Quando ela me descreveu todo aquele lugar onde estavamos os dois sentados, eu descobri que era exactamente o mesmo lugar onde estive sentado à uns anos atrás, antes da minha cegueira...no meu primeiro encontro amoroso!

V- Contaste isso à jovem?

C- Não... porque para mim, aquele momento há anos já não vale nada. Eu nem soube valorizar o que me rodeava, nem sequer apreciar a beleza daquele simples passeio. Este hoje, foi o meu primeiro encontro amoroso: soube escutar alguém, e isso para mim é o que mais importa agora.

Rita Couto... 23 de Setembro, 2007

0 Comments:

Post a Comment

<< Home